CELSO FURTADO E O EXCEDENTE PETROLÍFERO



Nas palavras de Francisco de Oliveira, Celso Furtado foi um dos demiurgos do Brasil. A contribuição de Furtado não se restringe apenas ao campo da economia, vai além chegando na sociologia, ciência política, demografia e história. Na década de 1950, em um missão da CEPAL, Furtado vai à Venezuela para fazer uma análise da incipiente indústria petrolífera venezuelana. Como resultado dessa viagem, Furtado escreve um relatório incluído numa recente publicação da editora Contraponto, “Ensaios sobre a Venezuela: subdesenvolvimento com abundância de divisas”. A análise pioneira de Furtado levanta uma série de pontos importantes para se pensar o dilema dos países com grandes reservas de petróleo.

Para Furtado, em ideia inspirada em Lewis, um dos limites que impede a elevação da média salarial numa economia subdesenvolvida é a abundância de excedente de mão de obra. Em momentos de alta cíclica nos preços das matérias-primas, o excedente tende a se concentrar por falta de ação do Estado e principalmente dos sindicatos que, desmobilizados pelo excedente de mão de obra, não conseguem pressionar as empresas para a melhoria dos salários dos trabalhadores. E durante as baixas cíclicas o salário pode diminuir ainda mais. O crescimento com base em estímulos externos, quando não produz mudanças estruturais do sistema econômico e social, tende necessariamente à concentração de renda.

Para Furtado, o elemento dinâmico primário da economia venezuelana seria, naquele momento, a indústria do petróleo. O principal efeito dinâmico de desenvolvimento no setor petroleiro não se faz sentir simplesmente por meio do crescente excedente, mas através do mecanismo fiscal. Cabe ao mecanismo fiscal o papel de transmissão do impulso dinâmico ao resto da economia nacional.

A partir do excedente petrolífero arrecadado por meio dos royalties, torna-se imperioso destinar os gastos públicos para a expansão e diversificação da capacidade produtiva e a capacitação científico-tecnológica. Trata-se de um recurso não-renovável, finito no tempo e com gigantescos impactos socioambientais  e, por isso, para evitar a reprodução desses impactos, da dependência e de uma futura depressão econômica - quando do fim dos recursos -, o excedente do petróleo deveria ser revertido para, além dos gastos sociais, a criação de novos circuitos econômicos e no incentivo de outros já-existentes e que se encontram travados. Do contrário o desenvolvimento será limitado no tempo e reproduzirá o próprio subdesenvolvimento e suas características.


O impulso dinâmico originado no setor petroleiro e transmitido através do setor público deve servir para a redistribuição de renda através da criação de empregos formais de qualidade em alto número e da expansão do mercado interno. O setor de serviços, intensivo em mão de obra, deve ser o principal beneficiado pelos efeitos indiretos do excedente petrolífero através da elevação da renda real da população. Podemos ainda adicionar a essa análise Furtadiana que a única forma de aumentar a utilidade em uma economia como a brasileira seria através da redistribuição da renda.

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